Eram muitas as pessoas que ali se reuniam.
De longe, eu a tudo observava. Em torno da mesa e pedra havia choro, falatório, gritaria, chiliques.
Pessoas entravam e saíam, a movimentação era grande. Com a proximidade da hora,
a multidão se avolumava.
Apesar de insistentemente puxado pelo braço, continuei a ser o mesmo cabeça-dura
de sempre e permaneci ali, observando.
Os comentários, geralmente sarcásticos e pejorativos não me surpreendiam e apenas um rapaz, a um canto do recinto, guardava sincero pesar (o que eu agora podia ver claramente!). Isto dava-me até um certo alívio, por confirmar que tomara a decisão certa a tempo.
Fecharam o caixão. Gritos, desmaios, síncopes... Puro teatro!
Filhos, noras e netos, todos aguardavam ansiosamente a minha partida. Afinal, como diziam às minhas costas, eu estava velho e não precisava mais de tanto dinheiro.
Calmamente, acompanhei a multidão até o local de repouso do meu corpo e depois segui a família até minha casa, minha ex-casa, para dizer a verdade, pois não pretendia permanecer ali nada mais do que o necessário.
Agora que todos haviam voltado a seus estados normais, sem precisar representar para a sociedade, eu podia ler na mente de todos que havia realmente tomada a decisão acertada
Aguardei a leitura do testamento e todo o teatro que presenciei em meu próprio velório, virou-se do avesso. Desmaios, choradeiras e gritarias agora eram para valer, e os insultos contra a minha pessoa chegaram a atingir de forma dolorida o meu espírito ali presente.
Depois de presenciar o desfecho, achei que era hora de partir. E fui em paz, deixando-me conduzir pelos inúmeros amigos que vieram buscar-me.
Trabalhei muito na vida. Nasci pobre e fiz fortuna. Sempre procurei auxiliar a todos os que cruzavam o meu caminho.
Aos filhos dei o melhor, mas não consegui que deixassem de almejar o dinheiro fácil.
Somente um se salvou, aquele pequeno rapaz, filho adotivo, hoje homem feito, a quem deixei as rédeas do meu negócio, por seu próprio mérito.
O resto dos meus bens doei ao lar dos velhinhos.
Que meus filhos noras e netos trabalhem bastante e conquistem as portas do céu, como eu fiz e tentei, me vão ensinar-lhes em vida. Quem sabe com esta nova lição, depois de minha morte, aprendam. Deus sabe que um dia todos me agradecerão.
Fiquem com Deus.
Arnaldo Almeida.